Hipermetropia (ou uma sátira ao perfil de escritor especulativo atual)
Se Deus existe, certamente o bloqueio criativo foi invenção do Capeta. É quase como aquelas visitas inconvenientes que chegam, pedem café e começam a falar do barraco da vizinha com o síndico sem perceber que você tem mais o que fazer. Mais dia, menos dia, ele chega e faz você pirar quando não consegue escrever o último arco do tão planejado livro 1 da tão sonhada trilogia. Foi assim comigo.
Irlanda. Elfos. Castelo de Hurtek. Espada. Poção da imortalidade. É um atalho e tanto; escrever palavras que te levam ao que há de mais bacana na sua cabeça, mas sem vínculo nenhum com verbos ou cenas. Depois de tudo posto no papel, é a hora de trabalhar a narrativa que vai englobar todas essas referências buscando o máximo de originalidade. Tinha aprendido num blog que sequer lembro o nome, mas naquele dia nem essa técnica estava funcionando. A criança. Maldição. Vingança. Sangue. Poder. Não saía mais nada além das palavras.
Foi quando me levantei e andei pelo quarto, talvez caminhar ajudasse. Vi longe, muito depois do vidro da janela, carros e ônibus voando sob a vigília dos Andróides de Trânsito, os semáforos abrindo e fechando, as ruas indo de vento em popa. Olhei melhor e vi a vida passando depressa enquanto eu estava ali, produzindo minha literatura sem saber quando, de fato, eu ia alcançar o sucesso. Lápis. Cabeceira. Óculos. Tapete francês. Quadro na parede; ilustração de Arthur Grunder. Teto.
A Mercenária, era assim que eu chamava aquela ilustração. Tratava-se duma
mulher dançando, entre tiros, granadas e flechas, enquanto limpava a própria
armadura prateada e disparava mísseis pelos olhos. Não sei, talvez fosse um biquíni metalizado, era difícil dizer o que vestia. Os traços e as cores do quadro
me remetiam ao futurismo, aquele viés artístico onde o estático ganha movimento
e vez. E sons. A imagem era música. Já seguia seu ritmo, quase que dançando,
quando algum imbecil decidiu interromper meu momento de transpiração.
Alguém batendo na porta. Toc-toc 4 vezes.
Fui rápido saber quem era, sobre o que era e se era realmente urgente ou se
estavam me incomodando por alguma besteira. Sempre fui daquele tipo de gente
que odeia ser interrompido, todo artista que se preze o é, no fim das contas. De
peito cheio, pulmões inflados, eu já me preparava para reclamar quando abri a
porta e fiquei de frente a criatura mais linda e adorável de toda a galáxia.
– Pai, eu tenho uma coisa pra te dizer. – Era Martin, meu filhinho caçula.
Veja bem; uma criança loira de oito anos segurando um pirulito de morango
com a cara toda melada. Consegue pensar numa coisa mais fofa?
– O que foi, meu bebê? Cadê a RD-79? – Perguntei pela empregada. Ela devia ficar cuidando dele, divertindo-o enquanto eu escrevia.
– Deve está fazendo o almoço. Eu tenho uma coisa pra te dizer.
– Mas ela… – Indaguei botando a cabeça para fora do quarto.
– EU TENHO UMA COISA PRA TE DIZER!
Fiquei paralisado. Martin não era do tipo de criança que gritava.
– O que foi? Algum garoto te incomodou no colégio? – Perguntei numa falha tentativa de prever o que ele diria. Parecia bem, não estava machucado.
– Não. Na verdade, quero dizer que sou um… Não há palavra no português, espanhol ou qualquer uma destas línguas que vocês falam só para parecerem povos diferentes que me defina. Não obstante, creio que o termo mais adequado seja Alien. Eu sou um Alien, pai.
Sabe quando você gargalha por conta de um meme idiota de internet como se o mundo fosse acabar? Aconteceu a mesma coisa comigo. Meio ao riso, pensei que talvez Martin estivesse assistindo filmes de Sci-Fi demais, quem sabe lido algum livro retrô ou até mesmo alguma série antiga que falava do futuro, gravada quando quase nada era robotizado. Não sabia ao certo, e sendo bem sincero pouco importava. Decidi então me ajoelhar, tocar seu rostinho redondo e:
– Eu sei, também sou um Alien. Hoje você teve aula de Escrita Criativa?
– Não estou brincando. Não uso, em momento algum, dos tantos artifícios supérfluos que vocês usam nos seus programas de humor. Eu sou um Alien…
– Seus? – Questionei sem conter a risada. Era engraçado vê-lo usando aquelas palavras, fruto de tê-lo colocado no teatro desde os quatro anos. Se não fosse por isso, pelas aulas de dramaturgia, juraria que tinha algo diferente nele. Mas não, Martin deveria estar só pregando um daqueles trotes de internet. Uma moda bem antiga, desde o tempo que eu era criança; sacanear os pais, irritar os vizinhos, fingir acidentes para postar no YouTube e ganhar views…
Foi ali que pensei; a criançada de hoje não é tão diferente assim da de antigamente.
– Filho, aliás, Alien, só um minutinho. – Pedi enquanto ia até a cozinha.
Cheguei lá rápido, com a meta de voltar mais rápido ainda. Assim que pus os olhos no fogão a vi, a RD-79, a andróide (ou ginoide, não sei qual a diferença) que contratamos para realizar os deveres de casa, fazendo o que muitos trabalhadores fazem quando seus patrões tiram uma folga, quando deixam de vigiar por um minuto sequer. Era programada para aquilo, para cuidar da casa e mesmo assim insistia em sair da sua função. Quase como quem se gradua em Matemática e quer escrever literatura.
Quando dei o flagra fiz questão de cruzar os braços e esperar que ela me notasse; RD-79 estava mexendo três panelas diferentes com seus braços robóticos e segurando um livro aberto com o quarto braço. Era uma fanzine, aquelas impressões amadoras que alguns artistas independentes dobram e vendem bem mais caro que o preço de produção para financiar seus próprios projetos. Mesmo de longe soube do que se tratava; era o conto “A banana sideral” de Oziel Herbert, um cineasta. Coisa do século passado, coisa velha e demodê.
Mas sendo bem justo, não importava o que lia, qual o gênero ou que escritor estava lendo. O fato era que lia em serviço como se estivesse no conforto da sua casa, como se as obrigações de cozinheira, faxineira e governanta não fossem o suficiente para mantê-la ocupada. O cúmulo do absurdo, diga-se de passagem.
– Muito bonito, não é, RD?
Quase deixa a fanzine cair dentro duma das panelas.
– Oi, patrão. O que deseja?
– Que você cuide do Martin. Eu preciso escrever, não dá pra botar dinheiro
dentro desta casa se não conseguir me concentrar. – E saí.
Eu não ganhava tanto, naquele mês duas submissões minhas, para revistas diferentes, foram recusadas. “A vingança dos elfos” e “A grande revelação”, o primeiro conto era inspirado na mitologia nórdica e falava dos casamentos entre 1 homem e 12 mulheres naqueles povos, já o segundo era uma sátira a um suposto diálogo entre Zeus e Ares, da mitologia grega. Apesar dos bons plots e das horas e dias que passei escrevendo, não foram selecionados. Deve ser coisa de editor que deseja valorizar o cenário nacional e não lê direito o que recebe.
Por enquanto meu marido bancava tudo, da picanha com vinho branco ao colégio do Martin, ao menos até o dia que me estabilizasse como escritor. Queiroz, o chamavam assim. Era quem comandava o escritório de advocacia da família e, sempre que convocado, defendia aqueles clientes que precisavam de um milagre no tribunal. Era um advogado famoso pela capacidade de reverter situações. Eu escrevia, trabalhava no meu primeiro romance duma trilogia fantástica.
Quando voltei ao quarto, Martin tinha desaparecido. Não de vez, para sempre. Só fora para a sala brincar com seus carrinhos e soldados.
Anões. Mistério. Medo. Piadas no meio das lutas. Fenrir. Foi aos poucos que a inspiração para escrever voltou e, devagar e sempre, fui rascunhando algo sobre a batalha final. Pensei que Katarina e Bob, os melhores amigos do protagonista, eram as personagens ideais para matar Vidar, o deus da vingança. Isso mesmo, afirmei às paredes do quarto dizendo que seria uma virada e tanto no enredo. Feitiços. Flecha Perfurante Suprema. Trovões. As palavras fluíam de novo, a história também.
Será que ele sempre foi assim e eu nunca percebi? O pensamento me ocorreu de súbito, quase como aquelas ideias ruins que brotam do nada e nos fazem levantar a cabeça. Pensava em Martin, na sua brincadeira e do quão incomum era ele mentir daquele jeito. Era um garoto meigo, calado, do tipo de criança que tirava notas boas, comia brócolis, que nunca reclamava da escola e respeitoso acima de tudo. “Um filho de dar inveja em qualquer pessoa”, era isso que meu marido dizia aos nossos amigos e parentes quando queria elogiá-lo. “Uma benção”, eu concordava em seguida.
Toc-toc 4 vezes na porta, pela segunda vez.
– Martin… Cadê a RD-79? Ela não está cuidando de você?
Estava só de cueca e pingando de suor. Logo supus que corria em círculos ao redor do sofá enquanto brincava com a empregada.
– Estava, mas foi na cozinha tirar a carne do forno. Ficou pronto logo porque eu adiantei o processo com minha mente. Podemos conversar agora, reles humano?
Só consegui rir. Era um menino tão sozinho, sem animais de estimação ou amigos. Pensei nisso ao escolher as melhores palavras para respondê-lo.
– Está com calor, meu bebê? – Era uma pergunta retórica.
Em Fortaleza sempre fazia calor, ainda mais em dezembro quando o sol castigava a humanidade pelo aquecimento global. Era o período onde todo mundo, fosse adulto, idoso ou criança, tinha uma vontade louca de arrancar as roupas do corpo, jogar uma jarra d’água gelada na cabeça e correr feito louco para se refrescar. Era uma das muitas peculiaridades daquele lugar, um paraíso onde os dias de chuva e céu nublado eram mais comemorados que o verão.
– Já negociamos com os norte-americanos. – O garoto indagou. Encaravame com os lábios estreitados e as sobrancelhas baixas e juntas.
– Ok, Martin. Vá se trocar. Seu pai vai chegar logo e você sabe como ele chega estressado. Vá lá, se vestir. Mas cuidado quando for vestir seus tentáculos, por que…
– Vou falar só mais uma vez; eu não estou de brincadeira, humaninho de merda. – Seu semblante transmutou. Estava determinado a não me obedecer.
Pensei em repreendê-lo pelo palavrão, mas entrei naquele joguinho.
– O que o senhor quer então, Sr. Alien? – Questionei ficando de joelhos. Era minha última tentativa, aproveitando a pouca paciência que me restava.
– Em primeiro lugar, mais respeito. Em segundo… Bem, tenho que explicar algo. – E coçou a cabeça.
Foi naquele instante – naquele milésimo de segundo – que notei que, embora Martin fosse extremamente loiro, ninguém na minha família nem na do meu marido possuía aquele traço biológico. A barriga de aluguel foi a irmã mais nova do Queiroz. Éramos todos morenos, no máximo tinhamos o cabelo castanho claro de grau 2. Claro, a terapia genética em gestações aprovada pelo Congresso já era permitida, tanto é que escolhemos algumas das feições de Martin como a quantidade de pelos que teria ao longo do corpo. Contudo, eu não sei se é possível escolher algo que não existe como opção.
Fui assaltado de súbito por flashes. Luzes. Memórias. Recordei um determinado encontro de família onde algum primo disse que nenhum dos traços do rosto de Martin me lembrava, por mais que tenham sido meus espermatozóides os usados para gerá-lo. Eu acho que parece com a mãe (digo, tia), questão encerrada. Mas, como aqueles pedaços de pipoca que você não consegue tirar do
dente, aquilo me deixou inquieto. Perguntei-me se todas aquelas lembranças eram mesmo memória ou só minha imaginação concordando com aquela brincadeira de criança. É incrível a criatividade de alguém de oito anos.
– Pois bem, pode falar. – Pedi ainda na frente da porta do escritório. Não iria chamá-lo para entrar, não era lugar para criança.
– Você não é meu pai, nem a barriga de aluguel que vocês contrataram é minha mãe, nem minha tia.
– Confirmou de olhos arregalados, quase como se lesse minha mente.
– Tudo que vocês sabem sobre mim, meu nascimento, documentos e derivados foram implantados, forjados como uma maestria profissional. Eu sou de um planeta orgânico desconhecido e distante, muito distante mesmo. Estou aqui para investigar a Terra como um todo, como espécie dominante. Há, assim como eu, mais cinco homólogos que espionam em outros países. Eu aqui, no Brasil, um agente na Argentina, outro na Lituânia, um em Moçambique e dois na China, no extremos longitudinais.
– It’s clean, mas espere… – Entrei no jogo de vez.
– A missão, porém, será abortada em duas horas humanas. – Me interrompeu.
– E teremos que iniciar o que vocês chamam de… O próximo passo.
De repente, os olhos de Martin piscaram 4 vezes e emitiram uma luz que eu não pude deixar de notar. Não 1, não 7, mas quatro vezes.
– E por qual motivo você está me contando isso? – Com uma seriedade de pôr medo em militar, o fuzilei com meus olhos. Enfim, jogávamos.
– Pelo único, simples e exclusivo motivo de que eu preciso de amostras biológicas vivas. Vocês, tu e o Queiroz, seriam ideais e, em troca de tal condição, eu os deixaria vivos. Vocês só tem que vir comigo até…
– O quê? Para onde vamos? – Queria saber mais.
– Acima das nuvens tem uma…
– Certo. – Foi minha vez de interrompê-lo. – Se isso vai acontecer, só vai ser daqui duas horas. Você podia vir me chamar aqui no escritório quando faltar uns 15 minutos? – Tive que ser forte para conter meu riso. – É que eu estou escrevendo uma história e estou no meio do meu processo criativo, aí…
– Certo, reles humano. Voltarei daqui a 1 hora, 44 minutos e 39 segundos. – E saiu correndo na direção da sala.
RD já devia ter voltado da cozinha, foi o que pensei. Não era possível que tirar uma carne do forno demorasse tanto.
Balar, o rei dos demônios. Traição. Um homem arrancando, depois de uma batalha incansável de horas, o coração duma divindade com as próprias mãos. Estava ficando bom; era só o que eu conseguia pensar. A batalha final, aquela do penúltimo capítulo, devia dar os motivos certos para que o leitor pedisse pelo segundo livro da série. Já estava planejado, claro. Mas, como bem disse o Coringa no Batman do Nolan, de 2008: “Se você é bom numa coisa nunca a faça de graça”. Enfim, escrevia.
Revi alguns trechos dos capítulos 5 e 7, os banquetes deviam ser suculentos até para quem lê, olhe lá para quem vive a cena. Bolos de chocolate branco. Pizzas. Sanduíches. Coca-cola. Foi no meio de uma dessas edições que notei que um ciclo não fechava; a profecia dita no começo do livro não era retomada, não era sequer mencionada. Não soube onde encaixar, mas eu precisava dela. Era fundamental que o romance fosse claramente um arco, com tudo se fechando duma forma épica.
Profecia. Profecia. Profecia. Não vinha nada. Foi quando ouvi os gritos da RD-79 lá fora, ao que me parecia ser da sala, e saí correndo feito um desesperado. Como eu já devo ter dito, não tem coisa que um escritor odeie mais que pessoas interrompendo seus processos criativos por motivos descabidos. Ela me pagaria, era fato, não aguentava mais sua incompetência.
Ainda no corredor repensei minha raiva e considerei que, talvez, fosse uma situação realmente séria. A programação era bem clara; só em caso de emergência seus circuitos comportamentais permitiriam berros, gritos ou aumento de volume de voz. Deduzi que algum vizinho estava se jogando do prédio ou que tinha algum defeito no circuito mesmo, e essa segunda opção significaria um grito infundado naquele condomínio onde se brota mais multas por ofensa ao convívio social que gente viciada em reclamar da produção nacional de fantasia.
Quando cheguei lá, ao contrário de tudo que cogitara, vi uma das cenas mais bizarras que um pai pode ver.
– Fica de joelhos, intruso! – Era RD-79 que berrava com as 4 mãos no modo de combate; transformadas em pistolas que miravam a cabeça de Martin.
– Para com isso, sua idiota. – Martin rebatia.
Apesar da ameaça clara, meu filho continuava parado com as sobrancelhas juntas e baixas, olhos úmidos e lábios trincados. Raiva. Não parecia meu bebê e, se eu tivesse pensado bem, veria que também não parecia uma criança normal, que morre de chorar quando cai e arranha o joelho. Tinha olhos afrontosos e arregalados de quem não tem medo, quase como se um único disparo não fosse o suficiente para que o pior acontecesse.
– RD, por favor, abaixa essas armas. – Pedi aveludando minha voz.
– Código 778; ordem impossível de ser obedecida. Risco de vida.
– Oi? É Martin, meu filho!
– Sensores indicam que não. Não mais.
E as armas lá, mirando os pontos vitais do meu filhinho. Só um milagre divino podia nos ajudar, isso se Deus existisse.
– COOPERE, ROBÔ! – Era Martin quem falava de novo. – Você só tem uma
chance de sair ilesa… – Continuou cada vez mais e mais vermelho, tornando-se
um pimentão.
– Aviso 3. – Informou ela, acionando os olhos-de-neutralização.
Gargalhadas ecoaram pela casa inteira. Não minhas, de assistir aquela brincadeira de mau gosto. As gargalhadas vinham de Martin. Dele, sim, de Martin. Enquanto ria se deixou avermelhar mais e mais, trincou os dentes e tudo. Mas não tinha aquele direito, era só uma criança, achei que fosse. Embora a criatividade do meu filho estivesse me surpreendendo, aquela coisa toda já estava indo longe demais. É estranho escrever isso. Estava confuso, ainda estou um pouco, quem não ficaria?
Além, claro, de nervoso. Senti minhas mãos tremerem enquanto RD o mirava como se fosse um criminoso. A temperatura subia, decolava na verdade. Vi os dentes de Martin trincarem, senti que a qualquer momento iam quebrar. Foi quando os sensores da andróide dispararam e começou a se aproximar para neutralizá-lo de vez, andando na sua direção aos poucos para desempenhar sua função de segurança da família… Bem, fica difícil cumprir algum papel quando um raio vermelho sai dos olhos duma criança e derrete todos seus circuitos.
Foi ali, imerso no odor daquela carcaça liquefeita, que vi Martin resmungar algumas palavras numa língua estranha com as duas mãos no rosto. Era sua maneira de se comunicar. Meio aos sons, que ora pareciam urros, ora gemidos, caminhou até a janela enquanto sua pele saía do vermelho e entrava no verde. Ao chegar lá, olhou para trás, encarou os restos da RD e pulou do quarto andar. Corri para ver o acidente, para ver a próxima cena.
E eu vi. Vi com esses olhos que o fogo há de cremar. Vi, antes dele chegar à altura que equivaleria ao terceiro piso, meu antigo filhinho se transmutar num pássaro também verde e voar em direção às nuvens que escondiam sabe lá o quê. Era rápido, tanto quanto um jato, penso. Também fui rápido no gatilho se tratando daquela emergência; liguei para a polícia e expliquei o caso enquanto esperava as autoridades sentado no sofá, ainda trêmulo, imerso naquele cheiro de cadáver robótico. Foi lá, sentado e aguardando, que deixei cair o queixo, as pálpebras e a ficha. Era surreal, absurdo… O quanto aquilo…
Medo. Comodismo. Perversão. Arte.